4.7.13

Delírios diurnos






 Uma fina neblina pairava sobre o lago. Fazia muito frio naquela manhã, tanto que o céu estava coberto por densas nuvens e as águas sempre escuras pareciam petróleo, mal dava para ver seu reflexo borrado e a luz parecia ser tragada por aquela imensidão escura. Os pés descalços tocavam a madeira fria do deck, e os braços largados junto ao seu corpo esguio reclamavam  da brisa gelada que lambia sua pele.

 Ela mantinha seus olhos fixos nas pequenas ondas que oscilavam a água, mas sem realmente enxergá-las, seus olhos estavam vazios e sua mente rodeava em antigas lembranças, seu coração estava tão machucado que a dor parecia tê-lo amortecido, é como se ela possuísse um buraco negro no peito, ela mal podia senti-lo, mas ele estava lá junto da dor amortecida, porém presente.

 Havia um nó tão grande em sua garganta que ela pensou que nunca mais conseguiria falar, que se tentasse não sairia som, mas por que iria querer dizer alguma coisa, se suas palavras não podiam ser ouvidas por ninguém? Se elas não poderiam ser ouvidas por quem realmente importava?

 Se aproximou um pouco mais da beirada, sentia uma força estranha a chamando para baixo, uma voz muda que sedutoramente a incitava a se deixar cair."Por que não?" pensou com um sorriso triste quase imperceptível. Seus olhos arderam e ficaram vermelhos, começou a chorar e a soluçar baixinho. Seu lindo rosto se contorceu em uma careta de dor e em sua cabeça uma frase martelava insistente "Eu quero morrer! Eu quero morrer! Eu quero morrer..." assim como a imagem daquele que ela amava, assombrando seus pensamentos e fazendo-na revirar na cama de noite.

 Apertou as unhas nas palmas das mãos até os nós dos dedos ficarem brancos, fechou os olhos com força e sua respiração parou. Os sons ao seu redor foram substituídos por um zumbido e largou o corpo. O mundo rodou mais de vagar e só o que ela pôde sentir, foi o lago a engolir quando se deixou cair; assim que atingiu a água tudo voltou, e a baixa temperatura a pegou desprevenida, sentiu a carne doer, era como ter milhares de agulhas flagelando seu corpo ao mesmo tempo.

 Ficou parada, apenas esperando a morte chegar ao seu encontro, soltou as bolhas e instantaneamente sentiu o ar faltar aos pulmões, mas nada fez. Ela sabia nadar, mas não quis se mover, apenas queria que tudo acabasse logo. Abriu os olhos, mas não conseguia ver nada, apenas sentia os cabelos balançando e tocando seu rosto. "Venha escuridão e me trague, leve-me para outro lugar, onde eu possa não mais existir, onde eu possa esquecer". Sentiu-se cair para a inconsciência, deslizando aos poucos e sorriu fechando novamente os olhos.

 Os abriu de verdade emergindo de um pequeno delírio diurno que tivera. Estava sentada na bancada da janela, e lá fora o sol brilhava com toda a intensidade de que dispunha e seu rosto tornou-se ainda mais triste. Lembrou-se dele e os olhos ficaram úmidos com a vontade de tocá-lo novamente, então sussurrou com a voz rouca de quem ficou muito tempo sem falar:

-Eu só queria que esse pesadelo tivesse fim...



~T.